imprimir

PROCESSO No     : 2017/6140/501016

CONSULENTE       : FORTALEZA AGRÍCOLA LTDA

 

CONSULTA SEFAZ/DTRI Nº 009/2018

 

 

A consulente em epígrafe, devidamente qualificada nos autos, informa que foram INCORPORADAS a si a empresa FORTALEZA AGRÍCOLA GURUPI LTDA, CNPJ 14.929.325/0001-68 e suas filiais, passando assim a serem filiais da requerente supra.

 

Contudo, uma de suas filiais, estabelecida na cidade de Porto Nacional - TO, que estava inscrita no CNPJ 14.929.325/0003-20 e IE 29.469.169-3, e que foi sucedida pelo CNPJ de filial da incorporadora, qual seja, 08.728.058/0009-15, e sua inscrição estadual ainda está em processo de abertura, constava na data da incorporação saldo credor de ICMS.

 

Diante da falta de clareza da legislação tributária tocantinense, interpõe a presente CONSULTA, sobre qual o procedimento correto a se fazer, quanto aos seus créditos de ICMS, haja vista que a empresa já foi incorporada, e seu CNPJ não pode mais emitir notas fiscais.

 

 

RESPOSTA:

 

Como é cediço, a incorporação é instituto jurídico e ato empresarial previsto no art. 227 da Lei n. 6.404⁄76, que estatui:

 

Art. 227 – A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direito e obrigações.

 

Da mesma forma, a regra do art. 1.116 do Código Civil estabelece que, "na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos".

 

Por esse instituto, em linhas gerais, determinada sociedade empresarial, a incorporadora, engloba outra, a incorporada, integrando ao seu patrimônio tanto o ativo quanto o passivo da incorporada, a qual se extinguirá pela extinção da personalidade jurídica, equivalente à morte da pessoa natural.

 

Na precisa lição de Waldo Fazzio Júnior (Manual de Direito Comercial, São Paulo: Atlas, 2009, 10. ed., p. 256⁄257):

 

A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Implica a dissolução das sociedades absorvidas e, em consequência, o aumento de capital da companhia incorporadora.

 

Da mesma forma, aduz Fran Martins (Curso de Direito Comercial, Rio de Janeiro: Forense, 2009, 32. ed., p. 392⁄393):

 

Por incorporação se entende a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Neste caso desaparecerá uma das sociedades, a incorporada permanecendo, porém, com a sua pessoa jurídica inalterada à sociedade incorporadora. Esta sucederá à sociedade incorporada em todos os seus direitos e obrigações.

 

De forma bastante didática, inclusive, Ricardo Negrão explica graficamente a incorporação, apondo dois círculos concêntricos como o resultado da operação, representando o círculo menor a sociedade incorporada e o círculo maior a sociedade incorporadora, demonstrando, assim, que a incorporada literalmente some, extinguindo-se do mundo jurídico, passando seus direitos e obrigações às mãos da incorporadora.

 

Não é outro o sentido extraído dos enunciados normativos dos arts. 219 e 227, § 3º, da Lei n. 6.404⁄76, ao estabelecerem:

 

Art. 219. Extingue-se a companhia:

I - pelo encerramento da liquidação;

II - pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades.

 

Art. 227 - ...

 

§ 3º. Aprovados pela assembléia-geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação.

 

Neste mesmo sentido, o art. 1.118 do Código Civil, ao dispor:

 

Art. 1.118 - Aprovados os atos de incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação do registro púbico.

 

 

Por sua vez, o artigo 132 do Código Tributário Nacional dispõe sobre a responsabilidade tributária, no caso em comento:

 

Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. (sublinhamos)

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

 

De fato, apesar de ter reforçado a regra da sucessão universal ao dispor, em seu artigo 132, que a incorporadora terá a responsabilidade pelos tributos devidos pela incorporada, o CTN não se pronunciou expressamente sobre a sucessão da incorporadora em relação aos créditos acumulados pela incorporada. Ademais, é a priori controversa a posição que considera que os créditos integram o patrimônio da empresa, pois a ela se opõe a corrente que questiona a liquidez, exigibilidade ou oponibilidade do crédito escriturado de ICMS contra a Fazenda Pública (e cuja tese principal seria, resumidamente, a de que o crédito não representa um título conversível, a qualquer tempo, em dinheiro ou equivalente).

 

Apesar dos obstáculos apontados, não se questiona que a incorporada tem o direito de aproveitar os créditos regularmente escriturados, respeitados os ditames legais (como, por exemplo, o prazo decadencial de cinco anos, artigo 23, parágrafo único, da LC 87/96). Assim, como na incorporação a incorporadora sucede a incorporada em todos os direitos e obrigações, não faria sentido algum que isso não abarcasse os créditos de ICMS acumulados pela incorporada.

 

Ademais, conquanto o CTN de fato não tenha tratado expressamente da matéria, tampouco ele vedou a sucessão em análise. Com isso, prevalece a sucessão também em relação aos créditos, seja como decorrência dos citados artigos 1.116 do Código Civil e 227 da Lei das S/A, seja por uma questão de decorrência lógica do próprio CTN, pois à responsabilidade pelos débitos (obrigações) associa-se, como contrapartida, a legitimidade dos créditos (direitos).

 

Foi esta segunda linha argumentativa, aliás, que os professores Igor Mauler Santiago e Raphael Frattari Bonito (As operações de fusão e incorporação de sociedades e o direito à compensação de créditos acumulados de ICMS. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 16, 20 jul. 1997) defenderam o direito a sucessão do crédito, em artigo inédito sobre a matéria, já em 1997.

 

Os citados professores elencam, ainda, outros fundamentos normativos de grande relevância na fundamentação do direito da incorporadora de compensar os créditos de ICMS acumulados pela incorporada, nomeadamente: a norma nuclear da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º, da Constituição); a vedação de tributação confiscatória (artigo 150, IV, da CF), há que a fulminação dos créditos provocaria enriquecimento indevido do Erário; a própria não-cumulatividade do ICMS (artigo 155, § 2º, inciso I, da CF), já que a não realização do saldo credor oneraria a cadeia de produção e circulação de mercadorias.

 

Somam-se a tais considerações uma razão adicional referente à não-cumulatividade: como o regime constitucional só prevê uma única exceção à compensação de créditos (artigo 155, § 2º, inciso II, da CF), qual seja, a da isenção ou não-incidência, não pode ser juridicamente válida a invenção da incorporação como mais uma exceção a impedir que os créditos sejam aproveitados.

 

Ademais, a recusa da sucessão ofenderia também o princípio constitucional da legalidade (artigo 5º, inciso II e artigo 150, I, da CF), visto que inexiste norma constitucional, tampouco lei que determine que os créditos sejam simplesmente exterminados em caso de incorporação.

 

Na jurisprudência judicial e administrativa podem ser encontrados precedentes que reforçam a mesma conclusão da nossa breve análise da matéria. Neste sentido, o STJ entendeu: “Tanto o tributo quanto as multas a ele associadas pelo descumprimento da obrigação principal fazem parte do patrimônio (direitos e obrigações) da empresa incorporada que se transfere ao incorporador, de modo que não pode ser cingida a sua cobrança, até porque a sociedade incorporada deixa de ostentar personalidade jurídica.” (STJ, 1ª Seção, EDcl no REsp 923.012 MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10/04/2013, publ. DJe 24/04/2013).

 

Na seara administrativa, em solução de consulta relativamente recente sobre o tema, a Fazenda do Estado de Santa Catarina lidou com situação muito semelhante. Na ocasião, defendeu que embora os créditos de ICMS não sejam créditos que regularmente compõem o patrimônio da empresa, o aproveitamento dos mesmos pela incorporadora decorre tanto da não-cumulatividade quanto da regra estadual que a obriga a assumir a responsabilidade pelos livros fiscais da incorporada (Comissão Permanente de Assuntos Tributários – COPAT, Consulta 017/2012, elaborado em 04 de abril de 2012, disponibilizado na página da SEF em 10 de maio de 12).

 

Em Minas Gerais, o Conselho de Contribuintes decidiu pela improcedência de autuação que contestava créditos em cenário de sucessão empresarial por incorporação, reafirmando o alcance da sucessão universal de direitos e obrigações prevista na legislação societária: “... tanto as obrigações são transferidas para a empresa incorporadora, como também os direitos, ou seja, transferem-se ativo e passivo. Logo, a apropriação de saldo credor de ICMS existente na escrita fiscal da empresa incorporada é ato lícito e reflete o aspecto de "continuidade" das atividades da empresa incorporada.” (Câmara Especial, PTA 01.000110339-81, Acórdão 2.043/00/CE, Relatora Cláudia Campos Lopes Lara, publ. 1/4/2000).

 

Por sua vez, o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), órgão julgador administrativo máximo do Estado de São Paulo, confirmou dois lançamentos tributários tão somente diante da inexistência de comprovação da legitimidade dos créditos por parte da incorporadora — ou seja, reconhece-se a legalidade da transferência de saldo credor da incorporada para a incorporadora (Processo DRT-07 - 970116/2011, AIIM 3159122-0, j. 23/04/2012, publ. 23/04/2012; 14ª Câmara, Processo DRT-06 193685/2010, AIIM 3129026-7, j. 15/12/2010, publ. 08/01/2011).

 

Por fim, ainda na seara administrativa outro precedente é digno de nota. Na Bahia, uma empresa detinha benefício fiscal, e foi incorporada por outra. Houve, então, uma retificação no ato normativo que concedia o benefício, constatando a mudança de titularidade. A fruição do benefício foi considerada legítima pela 1ª Junta de Julgamento Fiscal, porque a retificação tinha efeitos meramente declaratórios, o que reforça a continuidade de direitos e obrigações entre incorporada e incorporadora, já que, se isso inclui benefícios fiscais, deve incluir também o saldo credor de ICMS em geral (1ª Junta de Julgamento Fiscal, AI 108595.0019/12-1, Acórdão JJF 0005-01/13, Rel. José Bizerra Lima Irmão, j. 10/01/2013).

 

Discordo, pois, da solução de consulta de fls. 96/101. Ora, denegar um direito da consulente, fulcrado numa interpretação de que o Regulamento do ICMS (art. 20) erroneamente dispôs que o saldo credor pode ser transferido, quando o certo é imputado, fere todos os princípios comezinhos do direito tributário.

 

O direito tributário deve ser interpretado como qualquer outro ramo do direito, aplicando-se subsidiariamente as normas do direito civil, os princípios gerais do direito e princípios gerais próprios do direito tributário. Ressalta-se que os princípios não são normas sobre interpretação, mas orientações que o intérprete deve seguir (dentre os quais, o princípio da não-cumulatividade do ICMS).

 

Ademais, os dispostos nos artigos 20 a 27 do RICMS/TO se amoldam perfeitamente à hipótese avençada pelo parecerista, qual seja, de que a incorporada não mais existe e nasce, assim, uma nova empresa (incorporadora). Vejamos:

 

Da Transferência do Saldo Credor

 

Art. 20. Para efeito de aplicação do disposto no art. 29 da Lei 1.287/01, os saldos credores acumulados podem ser transferidos a outro estabelecimento do contribuinte, localizado neste Estado, nas hipóteses e termos estabelecidos nesta Seção.

 

Parágrafo único. O crédito transferido só pode ser utilizado pelo estabelecimento favorecido na compensação do imposto devido por operações ou prestações realizadas no período de apuração em que foi efetuada a transferência ou em períodos futuros.

 

Art. 21. A autorização para transferência de saldo credor deve ser solicitada pelo estabelecimento detentor do crédito acumulado, mediante petição protocolizada na agência de atendimento de jurisdição do contribuinte, contendo as seguintes informações:

 

I – nome ou razão social, números de inscrição estadual e do CNPJ/MF, e código de atividade econômica do estabelecimento emitente e do destinatário do crédito;

 

II – motivo da acumulação do crédito e o respectivo valor a ser transferido;

 

III – motivos que impedem a sua utilização no próprio estabelecimento.

 

Parágrafo único. A transferência do crédito deve ser autorizada pelo titular da Delegacia Regional. (NR) (Redação dada pelo Decreto 2.934/07 de 31.01.07).

 

  

Art. 22. A transferência de saldo credor é condicionada a que os contribuintes, cedente e beneficiário, do crédito fiscal sejam enquadrados no mesmo regime de apuração do imposto.

 

§ 1o Não deve ser autorizada a transferência se os estabelecimentos transmitentes ou destinatários do saldo credor forem devedores do Estado, relativamente ao ICMS, salvo se o débito estiver parcelado, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada penhora de bens suficientes à sua garantia ou com exigibilidade suspensa.

 

§ 2o A transferência do saldo credor deve ser limitada ao valor do saldo devedor apurado pelo estabelecimento destinatário.

 

Art. 23. Após a autorização prevista no art. 21, o contribuinte detentor do saldo credor emite Nota Fiscal, Modelo 1, que deve conter, além dos demais requisitos, as seguintes indicações:

 

I – como a identificação do destinatário, a saber: outro estabelecimento do contribuinte com seus dados identificativos;

 

II – a natureza da operação: "Transferência de Saldo Credor";

 

III – no campo "Informações Complementares" ou no quadro "Dados do Produto":

 

a) o valor, em algarismos e por extenso, do saldo credor a ser transferido;

 

b) o dispositivo do RICMS que ampara a transferência;

 

IV – no campo “Valor do ICMS”, o valor do crédito transferido;

 

V – no campo “Reservado ao Fisco” do quadro “Dados Adicionais”, o número do processo, no qual consta a autorização para transferência do saldo credor.

 

Art. 24. A Nota Fiscal de transferência do saldo credor deve ser  escriturada no mesmo período de apuração:

 

I – pelo estabelecimento transmitente:

 

a) no Livro de Registro de Saídas, na coluna "Documento Fiscal", constando no campo "Observações", a expressão: "Transferência de Saldo Credor, art. 21 do Regulamento do ICMS";

 

b) no Livro de Registro de Apuração do ICMS, consignando o valor do crédito objeto de transferência na coluna "Outros Débitos", anotando no campo "Observações" o número e a data da Nota Fiscal de transferência do crédito fiscal;

 

II – pelo estabelecimento recebedor:

 

a) na coluna "Documento Fiscal" do Livro de Registro de Entradas, constando no campo "Observação" a seguinte expressão: "Transferência de Crédito Fiscal";

 

b) na coluna "Outros Créditos", do Livro de Registro de Apuração do ICMS, lançando o valor recebido a título de transferência, devendo mencionar no campo "Observações" o número e a data da Nota Fiscal de transferência de crédito fiscal;

 

 c) no campo “Outros Débitos” do Livro de Registro de Apuração, o valor do saldo devedor apurado, inclusive os acréscimos tributários incidentes, se houver, com as anotações cabíveis.

 

Art. 25. O valor do crédito deve ser informado pelos contribuintes na Guia de Informação e Apuração Mensal – GIAM, nos campos:

 

I – Transferência de saldo credor;

 

II – Recebimento de saldo credor.

 

Art. 26. O aproveitamento, pelo destinatário, do crédito transferido é condicionado à verificação da autenticidade do documento fiscal e implica no seu estorno, com os acréscimos legais, desde a data ou período em que o tenha aproveitado, se constatada irregularidade na formação do saldo credor transferido.

 

Art. 27. É vedada a transferência de crédito fiscal para estabelecimento de terceiro.

 

 

Haja vista que de acordo com o Instrumento Particular de Alteração do Contrato Social (10° alteração), todos os estabelecimentos das Incorporadas, dentre eles suas sedes e filiais, serão mantidos em pleno funcionamento como filiais da sociedade (fls. 10), bem como por decisão unânime dos sócios (não é estabelecimento de terceiros), e considerando o fato de que as atividades das incorporadoras são semelhantes às atividades da Sociedade, fica mantido e inalterado seu objeto social, com as exclusões elencadas no mesmo documento, entendo que não há como inferir que não cabe este direito à consulente.

 

Entretanto, a legislação tributária estadual exige um procedimento legal para a transferência de crédito pleiteada. Este procedimento está disposto nos artigos 21 a 25 do RICMS/TO.

 

Cumpre ressaltar que a atividade da DTRI restringe-se às análises legais das questões consultadas. A solução para o procedimento  ambicionado, vez que a consulente não pode mais emitir notas fiscais, não está contemplada pela legislação tributária estadual.

 

À Consideração superior.

 

DTRI/DGT/SEFAZ - Palmas/TO, 15 de março de 2018.

 

 

Rúbio Moreira

AFRE IV – Mat. 695807-9

 

 

De acordo.

 

 

José Wagner Pio de Santana

Diretor de Tributação